Era verão na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, quando, em 7 de março de 1808, as naus trazendo a família real portuguesa entraram na Baía de Guanabara. Antes, porém, a comitiva desembarcara em Salvador, cidade onde permaneceu durante pouco mais de trinta dias. Além do apelo simbólico que a capital baiana tinha entre os portugueses, uma outra versão da história dá conta de que a parada ocorreu mesmo em função do mau tempo.
Da família real, embarcaram rumo ao Brasil, em novembro do ano anterior, a rainha dona Maria 1ª, o príncipe regente dom João 6º, sua esposa, Carlota Joaquina, seus filhos, Pedro e Miguel, e suas filhas, Maria Teresa, Maria Isabel, Maria da Assunção, Isabel Maria, Maria Francisca e Ana de Jesus Maria de Bragança. Vieram também na comitiva real duas irmãs da rainha, dona Maria Ana Francisca Josefa e dona Maria Francisca Benedita de Bragança, e o infante Pedro Carlos da Espanha, neto de dona Maria 1ª.
A chegada da realeza ao Brasil, acompanhada de centenas de nobres lusitanos que também fugiram da invasão napoleônica, modificaria radicalmente o dia-a-dia da Colônia e, muito particularmente, da cidade do Rio de Janeiro - que passou subitamente à condição de Corte. É evidente, portanto, que a velocidade com que os fatos se sucederam naquele momento trouxe toda sorte de dificuldades de adaptação, tanto para a realeza quanto para seus novos súditos.
São bem conhecidas as transformações resultantes da transferência da Corte portuguesa para o Brasil: a abertura dos portos às "nações amigas"; a suspensão do alvará assinado pela rainha, proibindo a instalação de indústrias na Colônia; a criação da Escola de Cirurgia, em Salvador, bem como do Jardim Botânico e da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; entre outras. Não menos importante do que isso, entretanto, foram as mudanças nos hábitos e no cotidiano de quem vivia na nova capital da monarquia portuguesa.
Uma nova etiqueta
A transferência da dinastia de Bragança para o Brasil representou o encontro de dois mundos. Afinal, ainda que menos importante do que as tradicionais casas de Hannover (Inglaterra), Bourbon (França) e Habsburgo (Áustria), a instalação da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro implicou em várias transformações de ordem social.
No intuito de transformar a nova capital numa cidade comparável às cortes européias, dom João abrigou missões artísticas e científicas, além de incentivar a encenação de espetáculos musicais e peças de teatro nos moldes do Velho Continente. A partir daí, criou-se a necessidade, entre os súditos, de uma nova etiqueta para as ocasiões sociais até então inexistentes.
O beija-mão, por exemplo, foi uma das mais importantes delas. Em desuso em outras casas monárquicas, o protocolo foi reabilitado por dom João 6º para reforçar a autoridade real sobre a nação. Ao mesmo tempo, era uma forma bastante eficaz de distanciar-se simbolicamente dos súditos, que precisavam cumprir um complexo protocolo para só então poder beijar a mão do príncipe regente.
Os nobres portugueses que acompanharam a família real também buscaram diferenciar-se dos novos súditos, que a todo custo tentavam agradar a realeza. Dotados da etiqueta cortês e herdeiros da tradição da nobreza européia, os hábitos e as vestimentas dos fidalgos lusitanos a todo tempo os separavam dos que eram apresentados àquelas formalidades pela primeira vez.
No desejo de acolher bem o príncipe regente e seus parentes, os habitantes mais abastados do Rio de Janeiro logo passaram a oferecer parte das suas riquezas à família real, necessitada de uma infra-estrutura mínima para instalar-se na cidade. O Palácio da Quinta da Boa Vista, por exemplo, residência dos Bragança na nova Corte, foi dado de presente pelo comerciante Elias Antonio Lopes logo após o desembarque no Rio de Janeiro.
Embora o tempo amenizasse as diferenças entre os "de fora" e os "de dentro", pelo menos nos primeiros anos elas estiveram bem presentes. A presença da Corte portuguesa no Brasil ajudou a mudar os costumes locais, ao mesmo tempo em que, tentando adequar-se à nova situação, os moradores do Rio de Janeiro imitavam o comportamento da nobreza lusitana, apesar de limitados pela falta de uma tradição anterior, que lhes permitisse desenvoltura para se relacionar nesse tipo de círculo social.
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