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terça-feira, 12 de julho de 2011

Ameaça de divisão da Bélgica também coloca em risco a unidade da Espanha, Itália e Reino Unido*

*por Luiz Felipe de Alencastro
Colunista do UOL Notícias
Nos começos dos anos 1990, quando as instituições da União Europeia (UE) ganharam corpo e a URSS desabou, pondo um término à Guerra Fria, um grande jornalista francês, André Fontaine, editorialista do "Le Monde", sentenciou : a paz na Europa vai diminuir a hegemonia dos governos centrais e ressuscitar as fronteiras étnicas no interior dos velhos Estados europeus.

Naquela altura, a Iugoslávia já se despedaçava num sangrento conflito inter-étnico. Mas a Iugoslávia era um país artificial, nascido em 1918, depois de um desenho territorial mal ajambrado feita pelas potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial. Não se tratava, absolutamente, de "um velho Estado europeu".

André Fontaine pensava na Espanha, onde pipocava a revolta no país basco e o descontamento na Catalunha, no norte da Itália, onde existem movimentos regionalistas dissidentes e, sobretudo, na Bélgica, onde sua previsão parece estar perto de se realizar.

De fato, na semana passada, o país completou 13 meses sem governo efetivo, na esteira de uma crise política que se arrasta desde 2007. O motivo do impasse é estrutural e parece não ter mais conserto : o belgas do norte, que falam flamengo (derivado do holandês), tem mais poder econômico e formam 58% da população do país, não querem mais viver junto com os belgas do sul, que falam francês, e são mais frágeis economicamente.
Desde 1830, as duas regiões estão amarradas em torno da monarquia parlamentar sediada em Bruxelas. O país se manteve razoavelmente unido -- apesar das querelas linguísticas que permeavam o seu ensino público --, até os anos 1960. A partir daí a unidade nacional começou a enfraquecer. Primeiro, a Bélgica teve que encarar a catastrófica independência do Burundi, do Ruanda e, sobretudo, do Congo-Kinshasa, suas antigas colônias.

Será que o colonialismo ajudou a Bélgica a manter sua unidade nacional? Esta era a opinião de Joseph Conrad que, na fase mais sangrenta do saque belga no Congo, numa passagem excluída da versão definitiva de sua admirável novela "Coração das Trevas" (1902), definia a Bélgica como um país meio troncho, governado por um "rei de terceira categoria" (Leopoldo 2º) que procurava obter na pilhagem do Congo a importância política de que carecia na política europeia. De todo modo, o final da exploração colonial belga na África coincidiu com o aumento das divisões internas e com o declínio internacional do país.

Paralelamente, a região francófona, cuja economia repousava sobre atividades oriundas da primeira revolução industrial (metalurgia, siderurgia, minas de carvão) começou a ser sobrepujada pela economia flamenga, muito mais dinâmica. Tirando as conclusões destas diferenças culturais e econômicas, o Parlamento belga instaura o regime federalista em 1993. Apresentada como uma solução para preservar a unidade nacional, a autonomia da regiões acabou precipitando o separatismo flamengo.

Atualmente, a Bélgica atravessa uma crise política que pode desembocar numa divisão de seu território. O maior empecilho à sua divisão é o estatuto particular da região de Bruxelas. Além de sediar as instituições europeias, é também a única região bilíngue do país. Na eventualidade de uma divisão do território de que lado ficaria Bruxelas, a jóia da coroa belga?

Os outros países europeus também farão o que puderem para evitar a secessão flamenga por uma razão simples : embora de maneira menos aguda, o separatismo também ameaça a unidade da Espanha, da Itália e do Reino Unido.

No final das contas, a crise da identidade nacional belga mostra que os problemas atuais da Europa são também políticos, e não se resumem à crise do euro ou ao eventual calote da Grécia e de Portugal.

Fonte: UOL Notícias

sábado, 2 de julho de 2011

"Fusca Itamar"

*por Patrick Cruz, iG São Paulo

Em 1993, a inflação no Brasil foi de 2.447%. O jogador de maior destaque no Campeonato Brasileiro foi Zinho, do Palmeiras. Uma das mais badaladas capas da revista Playboy foi com uma modelo paraguaia, Veronica Castiñeira. E, em um ano pródigo em improbabilidades, a maior novidade no mercado automobilístico foi o anacrônico Fusca, aposentado havia sete anos.

Itamar Franco, então presidente da República (e falecido neste sábado, aos 81 anos), queria que a expressão “carro popular” fosse literal. Se era para o povo ter carro, que ele fosse barato. E, claro, que tivesse apelo com o público. Parecia jogo ganho: o Fusca, carro mais popular do País, mesmo após a interrupção de sua produção nacional, em 1986, estava de volta às linhas de montagem por iniciativa da Volkswagen, que acatou pedido do presidente Itamar.

O Fusca renascido passaria a ser o Fusca Itamar. Aos críticos de um carro já fora do mercado havia muito, a Volkswagen argumentava que o Fusca Itamar era bem mais silencioso que a versão fabricada em 1986 e também de desempenho muito mais vistoso: fazia de 0 a 100km/hora em 14,5 segundos e atingia velocidade máxima de 140km/hora.

Em tempos de cruzeiro real, a moeda do País naquele período, o projeto de retomada da produção do modelo consumiu investimento de US$ 30 milhões. As máquinas foram azeitadas para que viessem ao mundo 100 novos Fuscas por dia, ou 20 mil por ano. O preço sugerido era de US$ 7,2 mil, valor que, no câmbio de hoje, daria pouco mais de R$ 11 mil.

Mas o jogo não se mostrou tão favas contadas. O Fusca era popular, mas custava praticamente a mesma coisa que os populares da vez, o Uno Mille, da Fiat, e Corsa, da GM, dois modelos mais confortáveis e bem acabados. E, assim, a popularização que se pretendia com o renascimento de um modelo tão querido acabou ficando pelo caminho. Entre 1993 e 1996, quando a montagem nacional do Fusca foi abortada de vez – e no último ano ele saiu em uma edição especial, a Série Ouro –, foram produzidas em torno de 47 mil unidades.

O Fusca saiu da vida, mas já tinha entrado na história. Pioneiro entre os carros nacionais a serem exportados, ele começou a ser montado em 1953 em um barracão alugado no bairro do Ipiranga, em São Paulo, com 100% das peças importadas da Alemanha. Depois, em 1959, passou a ter uma casa para chamar de sua: naquele ano, com pompa e circunstância, a Volkswagen recebeu o presidente Juscelino Kubitschek para inaugurar a fábrica. O ato permanece como um marco no processo de industrialização do Brasil.

O Fusca é, ainda hoje, um dos dez carros mais usados mais vendidos do País, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) – foram 16 mil unidades em 2010. E, com o renascimento estimulado por Itamar Franco, o Fusquinha – ou, ao menos, a última roupagem do modelo – tornou-se também uma das marcas registradas do presidente que viria a ter um epíteto de respeito: o Plano Real. E já tinha outro: o imaculado topete.